sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Um amor indiferente

Eu quero um amor indiferente
Uma coisa meio vagabunda
Nada muito intenso
Qualquer coisa me agrada
Um amor pra falarmos o que vier
Mas também um silêncio aflito, é bom.
Quero um amor medíocre,
Meio falso
E meio entediante.

Mas... Amor... Tira a roupa.

Um adeus ao poeta romântico

Eu que não posso ser poeta
A não ser amando sem saber.
Não encontro uma seta
Para rimar o último verso dessa estrofe.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Aleph - Jorge Luíz Borges

Cumpri suas ridículas instruções; por fim, saiu. Fechou cautelosamente o alçapão; a escuridão, embora houvesse uma fresta que depois distingui, deu a impressão de ser total. Subitamente, compreendi meu perigo: deixara-me soterrar por um louco, depois de tomar um veneno. As bravatas de Carlos evidenciavam o íntimo terror de que eu não visse o prodígio; Carlos, para defender seu delírio, para não saber que estava louco, tinha de matar-me. Senti um confuso mal estar, que tentei atribuir à rigidez e não ao efeito de um narcótico. Fechei os olhos, abri-os. Então vi o Aleph.

Chego, agora, ao inefável centro de meu relato; começa aqui meu desespero de escritor. Toda linguagem é um alfabeto de símbolos cujo exercício pressupõe um passado que os interlocutores compartem; como transmitir aos outros o infinito Aleph, que minha temerosa memória mal e mal abarca? Os místicos, em análogo transe, são pródigos em emblemas: para significar a divindade, um persa fala de um pássaro que, de algum modo, é todos os pássaros; Alanus de Insulis, de uma esfera cujo centro está em todas as partes e a circunferência em nenhuma; Ezequiel, de um anjo de quatro faces que, ao mesmo tempo, se dirige ao Oriente e ao Ocidente, ao Norte e ao Sul. (Não em vão rememoro essas inconcebíveis analogias; alguma relação têm com o Aleph.) É possível que os deuses não me negassem o achado de uma imagem equivalente, mas este relato ficaria contaminado de literatura, de falsidade. Mesmo porque o problema central é insolúvel: a enumeração, sequer parcial, de um conjunto infinito. Nesse instante gigantesco, vi milhões de atos prazerosos ou atrozes; nenhum me assombrou tanto como o fato de que todos ocupassem o mesmo ponto, sem superposição e sem transparência. O que viram meus olhos foi simultâneo; o que transcreverei, sucessivo, pois a linguagem o é. Algo, entretanto, registrarei.

Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cor, de quase intolerável fulgor. A princípio, julguei-a giratória; depois, compreendi que esse movimento era uma ilusão produzida pelos vertiginosos espetáculos que encerrava. O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, mas o espaço cósmico estava aí, sem diminuição de tamanho. Cada coisa (o cristal do espelho, digamos) era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo. Vi o populoso mar, vi a aurora e a tarde, vi as multidões da América, vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um labirinto roto (era Londres), vi intermináveis olhos próximos perscrutando-me como num espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum me refletiu, vi num pátio da rua Soler as mesmas lajotas que, há trinta anos, vi no vestíbulo de uma casa em Fray Bentos, vi cachos de uva, neve, tabaco, veios de metal, vapor de água, vi convexos desertos equatoriais e cada um de seus grãos de areia, vi em Inverness uma mulher que não esquecerei, vi a violenta cabeleira, o altivo corpo, vi um câncer no peito, vi um círculo de terra seca numa calçada onde antes existira uma árvore, vi uma chácara de Adrogué, um exemplar da primeira versão inglesa de Plínio, a de Philemon Holland, vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página (em pequeno, eu costumava maravilhar-me com o fato de que as letras de um livro fechado não se misturassem e se perdessem no decorrer da noite), vi a noite e o dia contemporâneo, vi um poente em Querétaro que parecia refletir a cor de uma rosa em Bengala, vi meu dormitório sem ninguém, vi num gabinete de Alkmaar um globo terrestre entre dois espelhos que o multiplicam indefinidamente, vi cavalos de crinas redemoinhadas numa praia do mar Cáspio, na aurora, vi a delicada ossatura de uma mão, vi os sobreviventes de uma batalha enviando cartões-postais, vi numa vitrina de Mirzapur um baralho espanhol, vi as sombras oblíquas de algumas samambaias no chão de uma estufa, vi tigres, êmbolos, bisões, marulhos e exércitos, vi todas as formigas que existem na terra, vi um astrolábio persa, vi numa gaveta
da escrivaninha (e a letra me fez tremer) cartas obscenas, inacreditáveis, precisas, que Beatriz dirigira a Carlos Argentino, vi um adorado monumento em La Chacarita, vi a relíquia atroz do que deliciosamente fora Beatriz Viterbo, vi a circulação de meu escuro sangue, vi a engrenagem do amor e a modificação da morte, vi o Aleph, de todos os pontos, vi no Aleph a terra, e na terra outra vez o Aleph, e no Aleph a terra, vi meu rosto e minhas vísceras, vi teu rosto e senti vertigem e chorei, porque meus olhos haviam visto esse objeto secreto e conjetura) cujo nome usurpam os homens, mas que nenhum homem olhou: o inconcebível universo.

Senti infinita veneração, infinita lástima.

domingo, 28 de novembro de 2010

Carlos Nóbrega dos Riachos

Carlos Nóbrega dos Riachos, homem impetuosamente político, distraidamente artístico, uma oposição estranha e bela. Crítico engrandecido, altivo, esbravejava aos 7 mares, ao tom de conquistador convicto de persuasão aliciante. Tal olhar refulgente e fumengante se esvaziava, amolecia, aquietava num segundo... Olha! É o caminhar do carangueijo caminhante.
...s mares junto aos olhos se acalmavam... O vento pacificava a existência, o sereno descia e com o simpático carangueijo tiritante Carlos se distraia.
O mar era um, belo e um, a praia era uma, bela e uma, e o carangueijo tiritante num segundo era tragado pela areia como numa bruma.
Carangueijo agora, lembrança de sonho. Carlos, acariciador de areia, a apunhalava e a deixava escorrer feito véu vislumbrado pela efêmera cena.
E o místico carangueijo ainda flutuava meio abobalhado pela lúdica memória de Carlos. E assim...
TEC!
Num estalo Carlos sai da hipnose. Karateca vigilante. Olha a volta, Carlos nem se percebeu distante. Então Carlos se levanta, chacoalha a areia da calça e caminha firmemente sem ter idéia que da vida ele é um amante.

Palavras

Palavras não são apenas palavras. Elas têm disposições de ânimo, climas próprios.

Quando uma palavra se aloja dentro de você, ela traz um clima diferente à sua mente, uma abordagem diferente, uma visão diferente. Chame a mesma coisa de um nome diferente e perceberá: algo fica imediatamente diferente.

Existem as palavras dos sentimentos e as palavras intelectuais. Abandone cada vez mais as palavras intelectuais, use cada vez mais palavras dos sentimentos. Existem palavras políticas e palavras religiosas. Abandone as palavras políticas. Existem palavras que imediatamente criam conflito. No momento em que você pronuncia, surgem discussões. Assim, nunca use uma linguagem lógica e argumentativa. Use a linguagem do afeto, do carinho, do amor, para que não surja discussão alguma.

Se você começar a ficar consciente disso, perceberá uma imensa mudança surgindo. Se você estiver um pouco alerta na vida, muitas infelicidades poderão ser evitadas. Uma única palavra pronunciada na inconsciência pode criar uma longa corrente de aflição. Uma leve diferença, apenas uma virada muito pequena, e isso cria mudança. Você deveria ser muito cuidadoso e usar as palavras quando absolutamente necessário. Evite palavras contaminadas. Use palavras arejadas, não controversas, que não são argumentos, mas apenas expressões de suas impressões.

Se você puder se tornar um especialista em palavras, toda a sua vida será totalmente diferente. Se uma palavra trouxer infelicidade, raiva, conflito ou discussão, abandone-a. Qual é o sentido de carregá-la? Substitua-a por algo melhor. O melhor é o silêncio, depois é o canto, a poesia, o amor.

Osho

sábado, 27 de novembro de 2010

Before Sunset - A Waltz For a Night



Essa passagem é do filme Antes do Pôr-Do-Sol (nome original: Before Sunset), que é a continuação do Antes do Amanhecer (Before Sunrise). No primeiro filme um garoto conhece uma garota no trem e ele a convoca a passar um dia em Viena dizendo: Se imagine casada, velha, e você está infeliz. Então você irá olhar para o passado e lembrar de todos os homens que você dispensou na vida e você irá se arrepender pois poderia ter sido um deles que faria sua vida feliz. Se você passar um dia em Viena comigo você vai me conhecer e você vai poder ficar com a consciência tranqüila! Então ela aceita. É um filme romântico, mas não um romance platônico, é um romance "acontecível" entre dois jovens amantes da vida e intelectualizados. E na continuação eles se reveêm após 10 anos, cada um com uma vida já construída.

Deixe-me cantar uma valsa para você
Vinda de lugar algum, vinda dos meus pensamentos
Deixe-me cantar uma valsa para você
Sobre essa única noite

Você foi para mim, aquela noite
Tudo aquilo que eu sonhei na vida
Mas agora você se foi
Você se foi para longe
No caminho para sua ilha de chuva

Foi para você apenas coisa de uma noite
Mas você foi muito mais para mim
Apenas para você saber

Eu ouvi rumores sobre você
Sobre todas as coisas ruins que você faz
Mas quando nós estivemos juntos a sós
Você não pareceu um jogador

Eu não ligo para o que eles dizem
Eu sei o que você significou para mim aquele dia
Eu apenas queria outra tentativa
Eu apenas queria outra noite
Mesmo que isso não pareça nada correto
Você significou para mim muito mais
Do que qualquer outro que eu encontrei antes

Apenas uma única noite com você, pequeno Jesse
Vale milhares com qualquer outro

Eu não tenho amargura, meu querido
Eu nunca vou esquecer essa coisa de uma noite
Mesmo amanhã, em outros braços
Meu coração será seu até eu morrer

Deixe-me cantar uma valsa para você
Vinda de lugar algum, vinda dos meus pensamentos
Deixe-me cantar uma valsa para você
Sobre essa única noite


Divirtam-se!

domingo, 21 de novembro de 2010

A Morte

Eu existo
Pelo Sonho sou esquecida
E no pesadelo memorada.
Simplesmente existo
Mas é com maus olhos que sou vista.
Sou indiferente e inerente,
Silenciosa e, por natureza, inexplicável.
Uns me louvam com apatia.
Outros me negam como heresia.
Sou o desfecho
Anseio dos desesperados
Filha da Vida e do Desejo
Sou o que os tornam idealizados.
Sendo assim, simplesmente existo,
como um menino abandonado.

Francisco Meyer - Tião



-O que parece esses acordes?
-Ah, sei lá, um mendigo andando na rua.
Assim surgiu Tião.

Tião

Essa é a história de um homem que conhecia a liberdade.

Ô Tião, ei Tião, ô Tião
Livre da vida
Saudade é desânimo
Solidão

Ô Tião, ei Tião, mas por que Tião?
O passo torto
Olhar de bicho
A voz jogada
A rua é o nicho
E o pasto é resto
Ó um trocado na calçada!
Indecisão.

Ô Tião, cachaça ou pão?
Promessa ou ilusão?
A fome aperta
Mas tudo incomoda
Que baque meu irmão

Ô Tião, ei Tião, mas por que Tião?
O passo torto
Olhar de bicho
A voz jogada
A rua é o nicho
E o pasto é resto
Ó um trocado na calçada!
Indecisão.

Ô Tião, mas por que Tião?
Cachaça ou pão?
Promessa ou ilusão?
A fome aperta
Mas tudo incomoda
Que baque meu irmão!

Ô Tião, mas por que Tião?
Faz isso não, Tião
Num dá tristeza não.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Estranha idéia

Um vivo estranhamento
Uma apressada especulação
Um desconfiado cochicho
Nasceu da silenciosa multidão

Era a peste geniosa
O cochicho proliferava
O enxame de mosquito
Obsessivamente dizimava

Não se viam mais as ruas
Nem o som daquele tambor
O jardim da dona Ciça
Acinzentado, era o horror

E o horror se via geral
Até a sagrada pedra na praça
Era ponto de pouso
Do dito mosquito infernal

Que zumbia negro
Ao ritmo do caos
Emanando um odor seco
Ocultando o que era vital.

E foi assim: do mero estranhamento
Esquecido no astral
Desencadeou a história
Do cochicho que se fez fatal.

A Loucura e a flor

Era tempo de confusão
Em que a expressão da alma
Se deparou com camadas brutas
Para fazer sorrir o sutil coração

O anseio gritou aos céus
E o enfeitou da Loucura
E o cientista quadrado disse:
-Pela Razão! O que é essa criatura?

A Loucura pela Terra ia espalhada
Se encontrou com uma flor
Que sorria a ela meio alegre
Assim um tanto quanto espantada

A Loucura se admirou, mas não quis arrancá-la
Pois a origem da flor
É a terra molhada
E luziu brilhante idéia: - Vou cultivá-la!

A Loucura mesmo louca
Sabia o que queria
Sabia que seria com aquela flor que aprenderia
E assim, meio doida, a Loucura dizia:

Eu sou toda aprendiz
Assim sou eu
Aprendiz... Louca e aprendiz
É isso que sou, flor

Quero aprender o Amor
Quero aprender a Dor
Quero aprender o tempo que se passa sob meus pés
Eu quero mesmo é devendar a Vida!

-Hei, florzinha
Você aí
Me desvende seu aroma
Quero tanto cultivá-la!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Cajuína



Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tão pouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria viva era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.



CAETANO VELOSO FALA DE CAJUÍNA

Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, creio, no final dos anos 70, recebi, no hotel em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato. Eu já o conhecia, pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato. Torquato estava, de certa forma , afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool). Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa, mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso. No dia em que ele se matou, eu estava recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais freqüentemente com Chico do que comigo. Chico e eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Senti-me um tanto amargo e triste, mas pouco sentimental. Quatro, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza amarga se desfez. E eu chorei durantes horas, sem parar. Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa. D. Salomé, a mãe de Torquato, estava hospitalizada. Então ficamos só, e eu na casa. Ele não dizia quase nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquato distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente. Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína.

sábado, 23 de outubro de 2010

No âmago das entranhas
Busquei intensidades
Construi façanhas
De tamanha ilusão

Pesquei um peixe seco
Olho estava enrugado
Sem fôlego ele estava
Assim bem roxo

Assei o pobre mesmo assim
O céu estava nublado
Girei o peixe,
Vamos dourar o roxo!

Hum...Sabor.
Sem espinhos
Carne macia
Vitaliza a melancolia

A maré calma está,
Lençol mundano,
Bóio nele, bóio humano,
Sei a verdade e sou feliz
Desconfio












































...desconfio.

sábado, 16 de outubro de 2010

Carta a amiga palhaça nômade

Eu sou aquele que espera o segundo para iluminação
Que no dia fora do tempo
Beijou a palhaça
Descobriu que existe paixão.

Estava aqui
Livre de presunção
Me percebi fugindo
Do meu caminho para a libertação.

Não posso ficar na Babilônia
Desprezo-a sem comoção
E se não se ama
Vive-se ansioso como na insônia.

Liberdade... Talvez clichê...
Mas essa é a única Verdade
Que pode vivificar
Uma flor murcha, na flor da idade.

E na Babilônia
O céu cinzento
Só me chama ao dever e ao afogamento
Nunca ao amor e ao relento.

Me diz!
Por favor, me diz!
Como é deitar numa grama verde
E conversar seriamente com as estrelas?

Acordar com um sentido de vida
Sem um peso nas costas
Um sentido que tenha espaço
Para palhaçada, amor, poesia e prosa.

Que cada preocupação
Seja uma impulso de vida
Uma confiança
Uma fé que se concretiza.

Então me diga,
Por onde você anda?
Ou melhor
Por onde você vive a sua vida?

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Uma lágrima escorre,
Flameja
E dispara faíscas
Num deleite efêmero.

Cicatrizes é o que restam.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Alma gêmea de minha alma
Meu amor, toda amplidão
Estrela serena e calma
Pulsar do meu coração...
A mais bela entre as flores
Poema de meus amores
Sinônimo de perfeição
Juro-te amor eterno
Minha Alma sempre amada...
Sem você meu doce amor
A vida não vale nada...
Minha mulher querida
Ès tudo na minha vida
Anjo de sedução
Alma gêmea de minha alma
Beleza rara e sincera
Flor da minha primavera
Fonte de inspiração
Quero viver contigo
Num leito só de alegrias
Ès a dona dos meus dias
Da alma e do coração
Se eu partir muito cedo
Te peço não tenhas medo
Não te deixarei ao léu
Te esperarei entre flores
Poema de meus amores
Na claridade do céu...
Alma gêmea de minha alma...
Podem passar mil anos
Ou toda a eternidade
Mas a única verdade..
È que serei sempre teu...
Te amo ...
Emmanuel Chico Xavier

domingo, 10 de outubro de 2010

A inocência brilhava no ritmo dos passos
Saltava alegre, explorava o tato
E brincava, assim, inocentemente
Beijinhos e carícias, todos inocentes.

Tudo que acontecia era generosa inocência

Batucavam o ritmo africano
Como um chamado a dança da terra
Que era todo dança
Todo dança e era inocente

Cantavam umas canções populares
Como um chamado aos cantos da tradição
Que era todo canto
Todo canto e era inocente

Cozinhavam sabores sedutores
Como um chamado ao gozo da fartura
Que era todo fartura
Todo fartura e também era inocente

Entrelaçou com delicadeza
E profetizou a amizade com grandeza
Profetizava todo extasiante.
...Sabedoria inocente...

Nem mirou o olhar distante.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Se a vida fosse bela

Andaríamos nús.
Nadaríamos no Rio Tietê.
As crianças não teriam medo de nossas caretas.
Todos se uniriam para ver o sol nascer e se pôr.
Os bocejos e soluços seriam artísticos.
Tudo seria solução.
Não mediríamos o tempo de um abraço.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Estou dividido
Entre o amargo
E a doçura fluente
E na poesia eu tropeço de repente

Ajoelhado, meio deitado
Quase de lado
Inspiro fumaça seca
Tateio o lodo

E logo me entristeço
E me admiro
E miro o verde
Caio na sede

Um óde ao inseguro
Instavel como os segundos
Choro na razão
Desconfio da solidão

Quase...
Quase não...
Uma fase do sim.
Sorrio eu?
Violão, acústica transcedental
Nos pólos, o gelo branco
Se derrete na imensidão azul
Dureza se dissolve na melodia

Caminha... Caminha... Caminha...
Flechas disparam a frente
Raios estouras as árvores
A terra voa com o ventaval

Caminha admirado
Pés flutuam
Pegadas aeradas
Arco-íris são navalhas.

Desafina!
Tomba em areia fina
Montes longínqüos
Deserto.

Sol estável.
Nenhuma consideração.
Um coração em alfa.
Uma lágrima...
Tudo se mobilizava
Eu estou no comando
O gordo tá no telhado?
Joga aqui pra baixo.

Eu sou o rei.
Ela me obedece.
Tem muita sujeira.
O que está acontecendo?

Eba piscina!
O que eu faço?
Eu não posso fazer nada.
Piscina.

Um sonho!
Não muito intenso.
Helicóptero debaixo d'água.
Não tenho ninguém pra compartilhar o momento.


Aconteceu a noite no quarto de um hotel numa estrada deserta.
A Luxúria me encarou de frente, me segurou e convicta, tal como a Luxúria é, me disse:
-Persuada-me minha criança.
Desprevenido, assustei, a Luxúria fitou-me por um segundo
E sorriu com a minha inocência.
Minha vida é meu encantamento.
Que sorri, que se acanha, que encanta
Por todos os cantos,
Florescendo deserto,
Embelezando tanto,
Inspirando,
Chamando Maria pra dança,
Rindo de pássaros como criança.
E amedrontado
Pelos corações sem confiança
Minha escravidão é meu encantamento.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Menino doce
Me surpreende balas sortidas
Variadas, doces, coloridas.

Não...
Criaste amargo no beijo risonho,
Criança tristonha, aguardarei.
Encontros vivem de possibilidades cumpridas com sintonia.
Sintonia na certeza se desgasta.
Você não entende!

O que me resta de possível
É sorrir com teu caminho
Te reconhecer na tarde trabalhosa.
Te relevar na amistosa noite.
Me entristeço.
Caminhe, menino.

Te abençoarei em pureza, em pedido, em segredo.
Te sorrirei como sustento.
Te negarei como sustento.
Crescemos, homem, havemos de ser o que nos cabe.

Hei de ser mulher.
Me entristeço.
Mas só viverei ao trilhar meus dias.
Entenda.
Trilhe os teus, me iluminará qualquer fresta de tua luz.
Reapareça!
Digo que pelo tato gélido
As sombras ao fundo dos becos
Fazem o dramatismo e despedem-se.
Deixam luz cálida fugaz
Que sentem o recente
Como um ar leve quente
E canto à brisa de terra molhada
E às sementes que brotam do algodão
A canção dos amores noturnos.

sábado, 11 de setembro de 2010

“numa só gota
Vivi um oceano...
E no centro desse todo,
Mergulhei de cabeça
Até arranhar o nariz
No infinito fundo.
Ao retornar,
Num tempo sem fim,
Entre os meus extremos,
Parecia estar
Preso numa só lágrima
Que se soltou de mim.”

Truck Tumleh

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Ai menino...
Sapeca, bolinha amarela pinga na ladeira
Pinga, pinga, descendo a ribanceira
Alegre e pingativa, cai na profunda poça, bolinha com meleca!
É de sangue, vixe! Nossa!

Esses borbulhos... Distantes que afloram na poça...
Seriam borbulhos de mistérios cantados ou gargalhados?
Mas minha nossa!
É a escuridão poente, que ressurgi no lilás transluzente.
Apaga-se na nota capricho massante,
Branco perene úmido em lágrimas da velha cartomante.

Lua querida, hoje o sol se criou de repente,
O seu poente escorreu, raspou o passado
Todo caído, aflito, gelado.
Sol, seu safado.

Outrora sabiam de onde vinha a virilidade dos galos no sol ardente.
Que fomentam desejos por fomentar o quente.
Voam por cima da cerca quando lhe apraz.
Fugaz paz... Fugaz paz, viril e toda fomentada.
Disseram: que nada!
Que nada pegar na enxada, sozinho engolir rabanada.

Meus dotes são outros
O João de barro conhece meus dotes, teu lote.
Meu mascote amigo que silencia o pingo da pia
Postula uma poesia concreta.
Silêncio, por favor.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Verde, amarelo, e vermelho
A haste com a bandeira
Brasileira ensangüentada
Por nada, por nada.
Pela terra molhada
O sangue infiltrado
No núcleo vermelho
O amor incondicionado

O pranto frio
O suor quente
O amor divinizado
O caminho sondado
O vestido de mil dobras
Flutuando no vasto rio urbano

Populações aterrorizadas
Populações admirando
Chove-se lama gelada
Enlameando florestas
Face de mulheres amadas
E a leveza dos ares.

Céu, de verdes estrelas
Como é bela a pureza
Como é vasta a cegueira
Dos tons desafinados dentro das gargantas
Que descem pela traquéia
Até os alvéolos.

Onde está a harmonia dos pássaros
Que jorram beleza
E despejam folhas pelos ares das montanhas?
Que encobrem os rastros de cruéis cangaceiros
Atrás de encobrirem suas dores
Infincando balas nos telencéfalos altamente desenvolvidos.
Mensurando a garantia da morte impulsiva.

Pode ser que o vento me chame ao relento
Num tempo de milagres
Onde o vento é meu rei e minha senda
Que me voa pelo mistério
Até alcançar a estrela Ponto de interrogação.
Mistério que pode até me levar ao misterioso
Mistério que pode me levar ao entediante
Mas mistério que imagino me glorificar
E me realizar no incompreensível
Ou senão me distrair na beira do abismo e me descansar
Ao lado do esqueleto... Cabelos ruivos, pedras negras.
Se me fizessem um pedido de cair no desmedido, o que fica, o que me resta? De um pranto sem canto, de um soluço sem rima, um branco, um azul, uma cor cristalina, festas que transitam distantes, os encontros que encantam, as armas transcorrem sem ponta, estonteantes, e pronto. E o ponto, simples, desaparece, rumo ao norte, e a fácil tristeza me remete, despede-se do pranto, num canto, cheio de tanto, tanto de santo.

Se soubesses da noite de hoje
Se soubesses dos sonhos lá de cima
Se sonhasses com loucos e putas
Despertos em uma chacina
Saberia que é simples o amor.

Dia todo olho pro dia
Noite toda olho pro dia
Vejo dia dia dia, não dia, você não entendeu.
Noite dia, que noite fria.

Diga noite, onde me encontro?
Sou da tribo dos malabaristas?
Sou o camarim dos palhaços de rua?
Sou a lua no dia nublado?
Sou pra cá? Aqui desse lado?

Quando vejo o raio do lampejo
Te pego e te jogo
Te chupo te beijo
Te jogo pra cima
Escalo montanhas.
Pequena mulher
Que me ama e me trai
Sou o pico das estrelas.
Sou Cult?
Vai toma no Cult!
Iogurte é gosto que me gusta.
É de morango que apaixono.
É num sono que sorrio em pranto.
E olho pra alegria
E é tanta, e leve como a manta.

Me sinto uma anta
Me sinto animal selvagem
Calo o meu rugido
Rolo na terra e a terra mastigo

Tiro poeira do meu umbigo
E digo:
Eu amo!
Pele de leão tingida de azul e negro
A mulata fingida veste em segredo
A névoa esbranquiçada já vem chegando
E outras folhas, outras navalhas, vem voando.
Um menino descansando embaixo do luar
Come fruta, vê a névoa e se paralisa.
Ahhh... Para onde vão as casas.
Ahhh... Destruídas pelas estradas.
Como pode um nevoeiro derrubar
As pedras do mundo inteiro desempedrar.
Como pode as ondas nos afogar.
Menino joga a semente para brotar.
Foge foge foge, vai transpira.
Foge foge foge, vai sufocar
Foge foge foge, vai tropeçar.
Foge foge foge, da calunia.

Nasce-se um poeta, é bonito e é um poeta!

O poeta consciente
Todo dominador da poesia
E da própria razão
Que conhecia filosofias milenares
Os valores mais nobres
E os rumos mais elevados que o destino poderia traçar
Cansou-se.

Razão, você não me serve mais!

E resolveu cantar palavras diversas
Se alegrando com os sons sem sentido
Adorou a forma como eles fluíam
E numa conversa com o vidro
Chegou a conclusões seriíssimas sobre a vida.

Deveria bisbilhotar os beija flores nos lindos bosques
Que tem mais vida e além de mais vida banquetes variados de saborosos polens.
Pois nessa presente fartura abelhas e beija-flores se saboreiam
E voam e se amam e se entrelaçam nos ares
E se beijam belissimamente no som da natureza e se picam!

O que?
É! Se picam.
Beija flor é traído
O beija cambaleia-se nos ares
Entonteado zigue-zagueia com a gravidade e tomba como numa tumba.

Corpo triste e sólido beijado na terra, abaixo de plantas floridas e zunidos homicidas, abaixo de árvores de grandes copas com grandes lúdicos troncos, abaixo de nuvens plurais em formas contempladas num lúdico céu degradê, num espaço lúdico geográfico, assim num continente existente em diversos atlas, cercado de oceanos de diversas ondas, vidas, e cores, existente em um planeta verde e azul, um sistema, uma negrez, singelamente colorida de astros, um universo cativante, escuro e misterioso...

Vocês viram um poeta por aí?

domingo, 29 de agosto de 2010

Confusão

Confusão

Confundiram os indiferentes com pacifistas
Confundiram sanidade com lucidez.
Confundiram loucura com insanidade
Confundiram tristeza com depressão
Confundiram remédio com solução
Remédio não é solução
Remédio remedia, remenda, não é solução!
E confundiram ócio com descanso no conforto, que desgraça.
Confundiram tesão com sexo
Confundiram sexo com selvageria
Confundiram arte com rotina
E confundiram a rotina com a vida!
Confundiram não com sim
Confundiram poder com opressão
Confundiram obediência com escravidão.
E confundiram escravidão com os escravos.
Confundiram o desejo com egoísmo.
E confundiram o egoísmo com um monte de coisas.
Confundiram a natureza como matéria-prima.
Confundiram a Terra com um planeta no mapa.
Confundiram o potencial com genialidade.
Confundiram os gênios como os escolhidos.
Confundiram o possível com o impossível.
E confundiram o impossível com o impossível.
Confundiram trabalho com trabalhoso.
Confundiram sentimentos com hormônios.
Confundiram pensamentos com sinapses.
Confundiram saúde com esporte.
Confundiram preguiça com contentamento.
Confundiram Deus com o diabo.
Confundiram o diabo com a paixão.
E confundiram o Amor, confundiram o Amor com carência e com o ódio mais profundo!
Matou por amor!
E confundiram o mais carente dos homens com aquele cobrador antipático.
Confundiram perdão com miséria.
Confundiram perdão com miséria.
Confundiram perdão com miséria.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Eu criança de encantos
Vibrando corações
Purificando ambientes
Libertando-os das sanções
Distribuo novas tonalidades às almas
Distribuo frutas saborosas à melancolia
Distribuo incensos diversos à inquietação
E uma mão criadora serena

Luz, que era branca, por luzir e reluzir
Foi-se colorindo pela desconfiança das cores
Ingenuamente deixou o branco, reluziu cada cor do espectro com até alegria
Das mais claras e límpidas até a escura como tal poluía
E em um sono tardio, o que era luz enegreceu.

Estrela oculta
De beleza em rasuras
Mesma no pico da abóboda celeste
Embelezou somente injúria
E ardeu em cada pulsar sob a aérea bruma
Como um adeus
Ardeu no ato de entrega
Ardeu à la Prometeu.

Para consolo, raridades surgem.
Um brilho acontece em um instante de sonho
Mas por ser instante, atiça só leve alegria
Alegria vazia, nada estonteante, esperança fria.

Desafios pesam nos aflitos
Dóceis e manipuladores
Insinuam outra qualquer coisa
Uma enérgica desesperança nas deidades

Criança abandonada
Procurando um coração a vibrar
Procurando um ambiente a purificar
Procurando sanções a libertar
Busca novas tonalidades nas almas
Morde frutas na melancolia
Acende gasto incenso na inquietação
Se imagina criação e sereniza.

Dorme criança, dorme, que a noite hoje se fez longa para teu descanso. Descanse.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Verdades tossidas

O conselheiro urbano
Inspira fumaça
Para profetizar soluções
A uma mentira inata

As gentis brisas frescas
Acalentam a solidão
Dos tristes sábios
Conhecedores dos céus

Beleza míope,
Onde está aquela nitidez do que se sente
Dentro dos corações moles
Que choram impacientes?

O profeta petrificado
Uiva verdades
A uma pálida lua
Estagnada no espaço

O profeta petrificado
Não sabe cantar
Nem se deliciar
Nem mesmo aprendeu a tristeza

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Você é muito apressada, menina

As coisas acontecem no seu tempo.
A noite vai embora
E o sol que a um dia atrás nascera, nasce.
Então, os passarinhos acordam, se espreguiçãm e encantam a manhã, como no dia anterior.
E o galo rei, tomado de inveja, canta novamente.
E o caro senhor, homem trabalhador, desperta lentamente.
Assim a noite, assim o sol, assim os pássaros matinais, o galo rei e o caro senhor cumprem no seu tempo o que o Sábio Tempo pede para se cumprir.
Legítimos discipulos do Tempo vivem com firmamento, seguindo as ordens do movimento, seguem sem intento, mas compreendem a misteriosa mensagem do sopro.
Respire fundo!
Eu, crente em meu rosto.
Num ato de desespero
Faço caretas!
:P

Ele Me Deu Um Beijo Na Boca - Caetano Veloso

Ele Me Deu Um Beijo Na Boca Caetano Veloso
Ele me deu um beijo na boca e me disse
A vida é oca como a toca
De um bebê sem cabeça
E eu ri a beça
E ele: como uma toca de raposa bêbada
E eu disse: chega da sua conversa
De poça sem fundo
Eu sei que o mundo
É um fluxo sem leito
E e só no oco do seu peito
Que corre um rio
Mas ele concordou que a vida é boa
Embora seja apenas a coroa :
A cara é o vazio
E ele riu e riu e ria
E eu disse: Basta de filosofia
A mim me bastava que o prefeito desse um jeito
Na cidade da Bahia
Esse feito afetaria toda a gente da terra
E nós veríamos nascer uma paz quente
Os filhos da guerra fria
Seria um anticidente
Como uma rima
Desativando a trama daquela profecia
Que o Vicente me contou
Segundo a Astronomia
Que em Novembro do ano que inicia
Sete astros se alinharão em escorpião
Como só no dia da bomba de Hiroshima
E ele me olhou
De cima e disse assim pra mim
Delfim, Margareth Tatcher, Menahem Begin
Política é o fim
E a crítica que não toque na poesia
O Time Magazine quer dizer que os Rolling Stones
Já não cabem no mundo do Time Magazine
Mas eu digo (Ele disse)
Que o que já não cabe é o Time Magazine
No mundo dos Rollings Stones Forever Rockin´And Rolling
Por que forjar desprezo pelo vivos
E fomentar desejos reativos
Apaches, Punks, Existencialistas, Hippies, Beatniks
De todos os Tempos Univos
E eu disse sim, mas sim, mas não nem isso
Apenas alguns santos, se tantos, nos seus cantos
E sozinhos
Mas ele me falou: Você tá triste
Porque a tua dama te abandona
E você não resiste, Quando ela surge
Ela vem e instaura o seu cosmético caótico
Você começa olhar com olho gótico
De cristão legítimo
Mas eu sou preto, meu nego
Eu sei que isso não nega e até ativa
O velho ritmo mulato
E o leão ruge
O fato é que há um istmo
Entre meus Deus
E seus Deuses
Eu sou do clã do Djavan
Você é fã do Donato
E não nos interessa a tripe cristã
De Dilan Zimerman
E ele ainda diria mais
Mas a canção tem que acabar
E eu respondi:
O Deus que você sente é o deus dos santos:
A superfície iridescente da bola oca,
Meus deuses são cabeças de bebês sem touca
Era um momento sem medo e sem desejo
Ele me deu um beijo na boca
E eu correspondi àquele beijo
Setenta anos
E nem sequer um instante de perdão
Becos escuros infiltrados
Água suja nos ralos

Que divindade demostrará milagres?
Caminhadas lentas não emagrecem.
Uma ave escura voa.
Um negro peixe nada.

Um raio brilha do horizonte!
Entre as sobrancelhas ilumina.
Pernas bambas se ajoelham.
Peito estufado deságua.

Em um sonho lúdico
A sabedoria da noite
Desperta a reminiscência
Do mistério que permeia o momento

E acorda

Setenta anos
E nem sequer um instante de perdão
Becos sujos infiltrados
Água suja nos ralos.
As transformações mudam tonalidade.
Crueldade... eu te amo.
Meu coração te ama.
Quero seu abraço.

Pôr-do-sol
Vermelhidão que era infernal
São boxexas do menino
Acanhado nas asas maternas

Que linda você.
Que boca bonita.
Quero um beijo.
Venha cá.

Saia da beira da cama
Aqui é mais seguro.
Aqui eu te seguro.
Crueldade, é cá que a vida nos chama.

domingo, 8 de agosto de 2010

Lágrimas?

Não gosto de me demorar em caracterizações, mas vê-se um homem velho, de barba branca média, de passos leves, subir no ônibus, como de hábito, espera a sua vez de atravessar a roleta, como de hábito, o velho diz bom dia ao cobrador, como de hábito e atravessa a roleta, meio de lado , também como de hábito. Senta-se junto a janela, como nos dias de sorte, escora a cabeça no vidro e chora.

-Seria lágrimas tais dignas de um homem no auge da sapiência?
-Dignas? Só sei que são lágrimas... De perdão? De alívio? De sofrimento? De frustração? De desespero? De abandono? De alegria ou de tristeza? Não sei... Sei que são lágrimas...
-Não chores meu senhor.
-Mas esse é o destino das lágrimas, chorarem, por isso choro. Meus olhos se apertam e lágrimas rolam. São assim que elas funcionam, são lágrimas...
-Mas por que esse senhor chora?
-Não sei... Existe morte no percurso da vida, quando lágrimas são morte, quando lágrimas são medo de morte, não sei. Talvez excesso de vida também mata, talvez excesso de vida aumenta o medo da morte. Mas de tudo isso que digo, nada sei. Sei de minhas lágrimas que rolam...
-Essa vida é boa, meu senhor, acredite. Tenha fé, meu caro.
E o velho sentiu leve graça, pôs-se a olhar para a janela e ficou-se admirado com suas lágrimas no vidro intactas e encantado, com a ponta do dedo, pôs-se a desenhar um sorriso. Observou, apreciou, sorriu junto e desceu no ponto.

Cantos Devocionais

Além da rosa-dos-ventos as cigarras devotam uma canção, o cântico das murmurações. A noite acontece no momento em que escurece. As estrelas logo surgem uma a uma até alcançarem milhões. E a cheia lua brota do horizonte, brilho misterioso que atravessa o céu, traçando o seu destino.
A eternidade da bela noite é simplesmente a eternidade da bela noite, nada de místico nisso, mas tudo de eterno, tudo de belo e tudo de noite.
No quintal um latido! Forte e curto. Rugido vazio sem eternidade, sem beleza e sem noite, que eco nem se fez, e sumiu nas profundezas dos murmúrios ficando marcado apenas pelo próprio esquecimento.

Transcendência

E de muito anseio da alma, a Luz resplandeceu viva, iluminando as trevas, unificando a diversidade dos sombrios pensamentos em uma comunhão divina, que de tão serena e pura, rompeu o emaranhamento do egoísmo e transbordou-se em lágrimas de Infinita Alegria.
E o Alívio permeou toda a Natureza e a respiração de seca e rasa transformou-se em úmida... Simples e profunda...

Chuva Nostálgica

Como numa tarde fria, meu bem.
As ondas se quebram geladas.
Nos lares quentes e aconchegantes, fogão aceso, tv ligada.
Na praia, areia úmida, a chuva, o nada.

De resto... a saudade
Do sol que não quis raiar.
E a chuva que insisti em chover
E dissolver a certeza das lágrimas.

Essa chuva que chegou e anunciou a chegada do navio
O barqueiro insistia,
As malas iam sendo colocadas.
Aquele anel de lembrança só trazia a lembrança do não vivido.

Era tarde:
A chuva, o vento,
O anel, as malas,
O barqueiro, a agitação.

Rosto, cabelo gelado.
As malas iam sendo colocadas.
Anel e mãos geladas,
E um beijo de lábios também gelados.

O frio esfriava,
O vento soprava,
A chuva chovia e
O barco que deveria partir, partia

E a chuva insiste em chover...
Insiste...
Ela chove, molha, dissolve.
E insisti em chover.

Marechal José

Marechal José sobe marchando.
Marechal José canhão bombardeando.
Marechal José digna atrocidade.
Marechal José demolidor de cidade.

Marechal José de marcha estaca.
Marechal José marcha à tapa.
Marechal José animal selvagem.
Marechal José e o exército miragem.

Marechal José, o marechal alucinado.
Marechal José, o furioso determinado.
Marechal José, o inabalável.
Marechal José de emblemas inumerável.

Marechal José marcha subindo a íngreme montanha sozinho!
Sozinho o marechal José marcha subindo a íngreme montanha!
Sozinho o marechal José marcha !
Sozinho marechal José marcha!

Sozinho o marechal marcha!
Sozinho o marechal marcha!
O marechal marcha!
O marechal marcha!

Marcha!
Marcha!
Marcha!
Respira fundo...

...e o marechal... não vendo nada nos quatro horizontes...
Olha para o céu... e se vê...
Não menos que em um instante o Raio estoura
Despedaçando-o como nenhum outro mutilado.

Agora resta José
Que chora.
O José chora...
O José, esse homem, ele chora...