domingo, 20 de março de 2011

Origem da Palavra Desejo


Segundo Marilena Chaui



"A palavra desejo tem bela origem. Deriva-se do verbo desidero que, por sua vez, deriva-se do substantivo sidus (mais usado no plural, sidera), significando a figura formada por um conjunto de estrelas, isto é constelações. Porque se diz dos astros, sidera é empregado como palavra de louvor—o alto—e, na teologia astral ou astrologia, é usado para indicar a influéncia dos astros sobre o destino humano, donde sideratus, siderado: atingindo ou fulminado por um astro. De sidera, vem considerare—examinar com cuidado, respeito e veneração—e desiderare—cessar de olhar (os astros), deixar de ver (os astros)...Nosso destino está inscrito e escrito nas estrelas e considerare é consultar o alto para nele encontrar o sentido e guia seguro de nossas vidas. Desiderare, ao contrário, é estar despojado desta referência, abandonar o alto ou por ele ser abandonado. Cessando de olhar para os astros, desiderium é a decisão de tomar nosso destino em nossas próprias mãos, aquilo que os gregos chamavam bóulesis. Deixando de ver os astros, porém, desiderium significa uma perda, privação do saber sobre o destino, queda na roda da fortuna incerta. O desejo chama-se, então, carência, vazio que tende para fora de si em busca de preenchimento."

(Do Texto Laços do Desejo)

Ode descontínua e remota

Ode descontínua e remota para flauta e oboé. De Ariana para Dionísio.



Canção II

Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu.
Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

Sobre a bela genialidade

Explicaram-me teorias psicológicas e provaram como numa equação matemática as verdades da mente humana. E com vaga curiosidade caminhei, invés de um pirulito na mão tinha idéias sobre a psique humana em meus pensamentos e pensei, pensei, pensei, até sorri e ri daquilo que pensei.
Um homem estranho com roupas estranhas com uma voz que soava estranha me olhou com um olhar estranho e me disse uma coisa estranha:
-Coração... Coração... Coração... Existe vida a nossa volta!
Me emocionei com aquela genialidade.

sábado, 19 de março de 2011

História Sufi sobre ciúmes

Um homem estava muito oprimido pelo seu sofrimento. Ele costumava orar diariamente a Deus, "Porque eu? Todos parecem ser tão felizes, porque só eu estou sofrendo tanto?" Um dia, em grande desespero, ele orou a Deus, "Você pode me dar o sofrimento de qualquer um outro e estou pronto para aceitar isso. Mas leve o meu, não posso mais suportá-lo".

Aquela noite ele teve um belo sonho, belo e muito revelador. Ele sonhou naquela noite que Deus aparecia no céu e dizia para todos, "Tragam todos os seus sofrimentos para o templo". Todos estavam cansados de sofrer – na verdade todos tinham orado alguma vez ou outra, "Estou pronto para aceitar o sofrimento de qualquer um outro, porém leve o meu sofrimento, é demais, é insuportável".

Assim todo mundo colocou seu próprio sofrimento em sacolas e levaram para o templo e todos pareciam muito felizes; o dia havia chegado, suas preces foram ouvidas. E esse homem também correu para o templo.

E então Deus falou, "Coloquem suas sacolas na parede". Todos as sacolas foram colocadas na parede e então Deus declarou: "Agora vocês podem escolher. Podem pegar qualquer sacola".

E a coisa mais surpreendente foi: que esse homem que tinha estado sempre orando, correu em direção a sua sacola antes que alguém mais pudesse escolhê-la! Ele contudo, ficou surpreso porque todo mundo correu para sua própria sacola e todos estavam contentes com a escolha. O que aconteceu? Pela primeira vez, todos viram a miséria dos outros, o sofrimento dos outros – as sacolas deles eram tão grandes, ou até mesmo maiores!

E o segundo problema era, as pessoas tinham se acostumado com os seus próprios sofrimentos. E agora escolher o sofrimento de outra pessoa - quem sabe que tipo de sofrimento estará dentro da sacola? Pra que se incomodar? Pelo menos você está familiarizado com o seu próprio sofrimento e você já está acostumado com ele, e ele é suportável. Por tantos anos você o tolerou - porque escolher o desconhecido?

E todos foram para casa felizes. Nada havia mudado, eles estavam trazendo o mesmo sofrimento de volta, mas todos estavam felizes e sorridentes e alegres porque conseguiram suas próprias sacolas de volta.

Pela manhã ele orou para Deus e disse, "Grato pelo sonho; nunca mais pedirei novamente. Tudo que você me tem dado é bom para mim, tem que ser bom para mim; eis porque você me deu isso".

terça-feira, 8 de março de 2011

Cantiga do viúvo

A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.

Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.

Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou.

(Carlos Drummond de Andrade)

sábado, 5 de março de 2011

Francesco Alberoni - O Erotismo

A mulher, portanto, aceita o corpo do homem pouco a pouco, gradualmente, através do amor. O homem amado, então, não é mais o animal predador que penetrou em seu corpo, que se satisfez, que dorme saciado. É como um menino que se entregou ao sono como se entregou ao amor, por efeito do seu amor. Não é mais a vítima, mas a caçadora. Sente o orgulho de Diana que lançou sua flecha e agora olha sua vítima inerte, e sente-se recompensada. Então adormece ao lado daquele corpo relaxado, inocente, que deve proteger. O corpo do homem amado não está mais separado. Ela está deitada, reclinada em seus braçoss e aspira seu hálito. Seu hálito é como o ar, indispensável. Seus odores se fundem, constituem um único odor, um único perfume. Sente o perfume penetrar pelas narinas certa de estar em paz com a vida. Tocá-lo é, então, o mesmo que tocar uma zona maravilhosa, quieta. É a certeza do contínuo, do permanente. Da eternidade.